- Olá... - disse Jones após alguns minutos sentado ao lado do homem; sendo respondido apenas com um aceno de cabeça e algum resmungo gutural.
Jones, homem, adulto, cerca de 40 anos; desiludido com o trabalho e a vida. Talvez crise de meia-idade, talvez simples irritação com as adversidades urbanas. Demitido, divorciado, derrotado. Lhe recomendaram psicanálise, benzedeira, igrejas - mas Jones preferiu apenas tentar olhar o mundo de cima, procurando alguém que estivesse mais fundo no poço da vida. E assim sentou-se ao lado de um qualquer coitado que não teve oportunidades na vida - um morador das ruas.
- Vai chover... - continuou Jones.
- Vai. - apenas respondeu o homem.
Jones buscava palavras para conversar com o homem - e "egoisticamente" erguer suas esperanças.
- Estar nas ruas debaixo de uma chuva destas não deve ser nada bom, não é!?
- Aham.
- ...
- (silêncio).
Jones olhava para os lados, pensava no que poderia dizer.
- Deve ser bem frio de noite nestes bancos, não?!
- Certo - respondeu o outro homem sem interesse na conversa.
- E arranjar comida deve ser complicado também, né?!
- É...
Jones não sabia como incentivar a conversação. O outro homem apresentava uma barba por fazer e cabelos desgrenhados; trajava roupas rasgadas e imundas.
- Suas calças estão bem furadas... - disse Jones tentando provocar.
- Estão sim. - limitou-se a responder o homem.
- E você não faz a barba a dias também.
- Sim.
- Nem corta os cabelos...
- Também não.
Jones já não sabia mais como jogar na cara daquele homem que ele estava no fundo do poço social. Resolveu apelar e ser extremamente direto.
- Você deve ser totalmente infeliz morando nas ruas... não sei como consegue ficar sentado em um banco destes tranquilamente numa tarde destas; devia estar por ai mendigando!
O homem virou a cabeça lentamente, ergueu uma sobrancelha e abriu um riso no canto da boca. Ficou sorrindo e olhando Jones.
- Mas credo... como ainda pode rir disso... !? - disse Jones.
O homem prosseguia rindo, cada vez mais abertamente. Depois de um tempo levantou-se, olhou as horas em um relógio de luxo escondido debaixo da manga do sujo casaco e disse:
- Agradeço o elogio, mas lamento... tenho que voltar ao set de filmagem.
---
Crônicas de Um / 1 Qualquer: crônicas,contos,textos