13 de jun. de 2012

Cinefilia

   Amelie era uma cinéfila. Seu verdadeiro nome era Amanda, mas Amelie soava mais Hollywoodiano - pelo menos era o que "Amelie" pensava.
   Amelie sonhava que um dia uma coruja chegaria em sua casa, lhe convocando para Hogwarts; que um dia encontraria um bilhete dourado em uma barra de chocolates, lhe concedendo uma visita à Wonka; que um dia encontraria um anel que lhe daria poderes; que seguiria por um caminho de tijolos amarelos pela Terra de Oz; e por ai segue. Despedia-se de seus amigos dizendo: "Que a força esteja com você"; sempre que tinha um problema, sussurrava: "Houston, we have a problem". Quando surgia qualquer perigo gritava: "Run, Forest, Run". E quando algo dava errado batia as mãos dizendo: "Corta!".
   Amelie decorou praticamente todas as falas dos maiores clássicos do cinema mundial; e as usava em seu dia a dia. No início apenas uma brincadeira, mas com o tempo tornou-se um vício... incontrolável. Quando Amelie ganhou uma aliança de seu namorado, ficou em total silêncio olhando-a na palma de sua mão... e depois pronunciou, com muito sentimento: "My Precious..." - e tossiu de estranho modo algumas vezes (ato que repetia frequentemente). Quando Amelie fez uma proposta de trabalho à um funcionário, disse antes de qualquer coisa: "Eu vou lhe fazer uma proposta que você não poderá recusar". Quando Amelie iniciou um Clube do Livro em sua escola, começou a primeira reunião dizendo: "A primeira regra do Clube do Livro é 'nunca fale sobre o Clube do Livro', a segunda regra do Clube do Livro é 'nunca fale sobre o Clube do Livro'". Quando Amelie foi promovida no seu trabalho, respondeu para seu chefe: "Com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades" - mas seu chefe sequer gostava de filmes, e ficou na dúvida se havia feito a coisa certa. E assim iniciou-se a decadência moral de Amelie.
   Amelie progressivamente começou a comunicar-se apenas em uma pontuação, termos e fonética típica dos diálogos de filmes. Também criou uma quase certeza de que toda sua vida era filmada, como em "O Show de Truman"; e por isto evitava fazer "certas coisas". Amelie tinha uma certeza inabsoluta de que em outra vida lutou na guerra, assim como foi prisioneira de campos de concentração e piloto de avião. Com o tempo Amelie não suportou mais ir à praia, com terror de "Tubarão"; sequer andar de qualquer transporte hidroviário, com fobia de se repetir um "Titanic"; nunca mais entrara em uma avião, com um trauma não vivido de "Naufrago"; e jamais tomava sequer uma rápida ducha em um banheiro com cortinas, com receio de "Psicose".
   Amelie certo dia notou que toda sua vida realmente era "cinematográfica"; mas contrariando o esperado, em vez de buscar ajuda médica, achou que faltava apenas um detalhe para sua história ficar completa: uma morte cinematográfica. E assim Amelie planejou cada detalhe de como iria morrer: data, local, situação, últimas palavras, vestido, iluminação, etc. Resumidamente: iria ser empurrada do alto de um prédio, durante uma discussão com um (fictício) amante, caindo em frente à uma cafeteria cheia de frequentadores. Contratou maquiadora, figurantes, entre outros. Com tudo pronto, Amelie preparou-se para aquele que seria o ponto máximo no filme de sua vida: o fim desta. Fez sua última refeição... e ao atravessar a rua, para subir ao prédio, morreu atropelada por um ônibus. Apenas uma pequena nota foi publicada em um jornal de baixa circulação.
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