16 de mai. de 2012

Uma dissertação sobre a falta de inspiração [1/2]

   Odranoel - escritor, leitor e crítico-gastronômico-amador-de-fins-de-semana - escrevia diariamente em sua máquina Olivetti Letera 82, de cor verde. Seu processo criativo consistia em um projetado e elaborado 'improviso'.
   Odranoel acordava todas as manhãs às 07:37 em ponto, descia para as ruas onde comprava um café-para-viagem em uma cafeteria na esquina, e 3 pães-de-queijo com um vendedor ambulante à duas quadras do primeiro local. Odranoel nunca viajava com seu café; e a cafeteria até vendia pães-de-queijo, mas eram de um tamanho muito maior do que os vendidos pelo ambulante - e achava uma pouca vergonha apenas 1 pão-de-queijo custar o mesmo valor de 3 em outro local... independente de seus tamanhos. Após a compra do café e dos pães-de-queijo, Odranoel seguia até um terceiro local, uma praça, onde sentava-se sempre no mesmo banco, ao lado de um coqueiro, onde tomava (e comia!) seu café-da-manhã - em dias de chuva, Odranoel molhava-se.

   Odranoel voltava à seu apartamento, após o desjejum, onde sentava-se em frente à Olivetti Letera 82, de cor verde, e iniciava seu processo projetado e elaborado de improviso de escrita; geralmente este processo consistia em simplesmente olhar para os lados e escrever sobre a primeira coisa que via pela frente - nestes casos, escrevia uma longa dissertação sobre tal assunto, ou às vezes apenas notas de cerca de 37 páginas do padrão 'Carta'. Certa manhã, Odranoel escreveu um texto sobre uma formiga, descrevendo detalhadamente todos seus movimentos pela parede, onde ela aparentemente buscava o trajeto de suas iguais. Em outra data, escreveu um texto sobre o cheiro da água, mas não conseguiu obter uma boa conclusão dos fatos, visto que esta água não tinha cheiro.
   Odranoel, em certo momento, iniciou uma crônica sobre um raio de sol que invadira seu quarto; no primeiro parágrafo, fugiu-lhe uma palavra - poderia desenhá-la, mas ele preferia que esta fosse escrita. Como apenas poderia descrevê-la em várias palavras, não possibilitou-o a procura em seu dicionário de sinônimos e antônimos. Inclusive, Odranoel nem conhecia o antônimo desta palavra - se bem que ele nem sabia se esta realmente existia, e perdeu um longuíssimo tempo de seu dia procurando informações sobre patenteamento de palavras. Ao mesmo tempo, visto que o único texto que lhe passava pela cabeça para descrever tal palavra era um tanto quanto constrangedor, Odranoel não se permitia sair pelas ruas e questionar à primeira pessoa que lhe passasse pela frente; decidido que estava pela descoberta desta palavra - qual considerava totalmente necessária para a continuação de seu texto -, Odranoel decidiu pelo que considerou o mais apropriado: rasgou a folha de papel e iniciou uma nova história.

[...continua]
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