29 de mai. de 2013

+ 5 microcontos



+ Vivia uma vida semi-nova.


+ Sobreviveu, vivendo por vezes.


+ Negocio meus sonhos com uma caneca de chá.


+ Comprou a amizade como se fosse produto; acabou a validade.


+ Por preguiça de levantar do sofá, assistiu a programas que não lhe agradavam.


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Crônicas de Um / 1 Qualquer: crônicas,contos,textos

26 de mai. de 2013

Anoiteceu em Porto Alegre [3/3]


   O sol nasce pra todos todo dia de manhã. Dizem que o mal nasce do medo da escuridão. Na real eu tenho medo é do medo que as pessoas têm.

   Em algum lugar um alarme de carro não para de tocar. Um gosto amargo na boca. Trago comigo os estragos da noite; não nego. 
   Noites que passaram, noites que virão. Noites que passamos lado a lado em solidão. Noites que viramos esperando o sol nascer; esperando amanhecer. A certeza é que último dia do ano é sempre igual ao primeiro.
   Os dias parecem séculos e se parecem uns com os outros. E a gente anda em círculos, seguindo ideais ridículos de querer, lutar e poder. Mas não tenho medo de perder a guerra, pois no fim da guerra todos perdem.
   Em pouco tempo recomeça tudo lá fora, nas esquinas e nas escolas. E daqui a pouco vai ter alguém vendendo as machetes pelas ruas. Nada diferente. Chegamos finalmente ao "amanhã". 

   Amanheceu em Porto Alegre.

25 de mai. de 2013

Anoiteceu em Porto Alegre [2/3]

   Desisto. Abandono a tortura mental do quarto; da insônia que me persegue. Coloco qualquer roupa jogada pelo chão, giro a chave e bato a porta. Desço as escadas, degrau por degrau até alcançar a rua. O casal de jovens já não está mais ali, os táxis já não passam mais por aqui e um pedinte dorme debaixo de um papelão. Não adianta mesmo ser livre, se tanta gente vive sem ter como comer. 
   Sigo sem rumos, sem barreiras ou fronteiras; na liberdade que só as madrugadas podem conceder. Não é a primeira vez que faço este trajeto, não é a primeira vez que sigo pelas ruas tarde da noite. 
   Suave é a noite, e é a noite que eu saio - pra conhecer a cidade e me perder por aí. Suave é cidade pra quem tem necessidade de se esconder. Esta cidade muito grande e ao mesmo tempo tão pequena; uma realidade por vezes tão distante do resto do país. Estamos longe demais das capitais.
   As ruas seguem sob meus pés; atravesso uma grande avenida sem sequer necessitar olhar para os lados. Ao longe alguns carros, o barulho dos freios de um ônibus, e outros seguindo seus próprios rumos. Há mais de mil destinos em cada esquina.
   Sempre me perco pelas mesmas ruas; não trago mapas, não leio as placas. Ando sem saber até quando. Não quero ter o que não tenho; só quero viver. Perder o rumo é bom - se perdido a gente encontra um sentido escondido em algum lugar.
   Subo uma longa escadaria, observo o mundo lá embaixo. Ao longe os morros iluminados. Em alguns prédios janelas ainda acesas. Desço pelo outro lado das escadas. Nas calçadas moradores das ruas - moradores da noite. 
   Pelas ruas a indiferença, a desigualdade, a fragilidade humana. E todos fingem ser cegos; assistem as cenas e fingem pena. Isso já faz parte da rotina. Não é que eu faça questão de ser feliz, só queria que parassem de morrer de fome a um palmo do meu nariz. 
   Sigo pelas ruas sem planos, sem rumos. Pelo chão resquícios de propagandas de um prazer pago. Nas paredes as marcas dos modernos homens das cavernas: pictografia, arte rupestre ou somente pichações? Placas, adesivos, outdoors.
   Muros e grades separam um mundo real de outro imaginário. Um país tão irreal e violento. O medo leva o povo a tudo - sobretudo à fantasia. E assim erguem-se muros para dar uma falsa garantia de uma morte cheia de uma vida tão vazia. 
   Ando só. Mesmo que pareçam bobagens as rotas que eu traço, tento traçar meus rumos (a esmo). Sigo sem saber aonde vou. Afinal de contas: nem sempre faço o que é melhor pra mim, mas nunca faço o que eu não tô afim de fazer. 

24 de mai. de 2013

Anoiteceu em Porto Alegre [1/3]

   Anoiteceu em Porto Alegre. 
   O sol mergulha no Guaíba. A escuridão vai tomando conta da cidade. Pelas ruas e avenidas a hora do rush; pessoas correndo, como que fugindo da Hora do Brasil. De algum lugar em meio a multidão ouve-se uma canção. 
   Da janela de um quarto de hotel assisto o corre-corre do povo. Amanhã será um novo dia. Um novo ano. Um novo recomeço. 
   Na rua ouço o rádio de um táxi; pastores exorcizando e ditadores sendo depostos. No quarto quase escuro, apenas a luz da televisão, fazendo com que as paredes mudem de cor a cada cena.
   O vento sopra; canta uma canção. Sento em frente ao aparelho televisor. O quarto cada vez mais escuro. Passam-se horas em minutos. E lá fora o resto de dia vira noite.
   Pairo novamente na janela. A cabeça nas nuvens e os pés no chão. Outro cigarro. Acho que envelheci dez anos ou mais neste último mês. 
   Novos pensamentos; velhos pensamentos. Vozes em minha cabeça. Um silêncio anormal para aquelas ruas. Táxis, moradores de rua. 
   Conto as horas que passam, na solidão das noites sem graça destes quartos de hotel.

22 de mai. de 2013

Notas de um vagão


   Estou com 25 anos; quase 26. Relativamente ainda longe dos 30, mas já sofrendo uma certa depressão adiantada.
   Estudei, me formei, arrumei alguns empreguinhos. Mas por aí ficou; nenhuma grande mudança ou notável conquista. Nada que poderia me gabar no futuro; nem os famosos 15 minutos de fama.
   Com menos idade que isto, muitos ganharam medalhas olímpicas, outros apareceram na mídia fazendo sucesso com bandas ou similaridades artísticas. Outros já haviam lançado livros que se tornaram clássicos. 
   Não tenho filhos, nem sei se os quero.

   Sobrevivo com uma espécie de emprego; uma bolsa de estudos que apenas me garante o pão de cada dia e um teto - não que precise de mais, é claro, mas certamente menos do que queria.
   Não fiz grandes viagens ou aventuras, estou longe do emprego dos sonhos - se é que o tenho em mente.
   Vivo a vida apenas sobrevivendo dia após dia.

   Li a algum tempo o livro do Kerouac, onde o jovem americano percorreu as estradas vivendo algumas loucuras juvenis. Eram outros tempos, hoje seria um "perigo". Tolkien lutou na Grande Guerra; saiu vivo e criou um mundo inteiro. Rowling diz que criou sua história em uma viagem de trem - estou em um agora, saindo de uma cidade da metrópole e indo de volta à capital.
   Minha maior mudança de vida foi uma mudança de cidade; penso diariamente se fiz a coisa certa sem chegar a uma conclusão. 
   E acho que pensaria diariamente se não o tivesse feito.

   No vagão que estou há apenas outras 9 pessoas; todos homens. Um policial escreve em uma apostila, outro rapaz mexe em um celular. Minha estação ainda está longe. 
   ...assim como a solução dos meus problemas.


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15 de mai. de 2013

O temporal


O tempo fechou, o céu nublou
e tudo escureceu.
Correu o povo, que buscava socorro
em qualquer lugar.

As negras nuvens, tapavam as luzes
provocando o medo.
E na espera d'água, ficou a mágoa
da distância do lar.

No morro mais alto, da selva de asfalto
pairava uma antena.
E durante a noite, ficavam as luzes
alertando aviões.

Mas estavam enganadas, as desavisadas
luzes de alerta.
Pois foi sem aviso, que durante o dia
a noite chegou.

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8 de mai. de 2013

Máscaras






Num descuido um sorriso escapa
E se desfaz a capa
De quem tentava
Se passar por mau.





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4 de mai. de 2013

A poesia está na moda...


   Após o livro de Paulo Leminski chegar no topo da lista dos mais vendidos, parece que a poesia e os poemas chegaram juntos no gosto popular - ou, ao menos, na moda (a transposição representativa visual generalizada de uma população... ou seja, se não gostam, pelo menos representam... fingem).

1 de mai. de 2013

Batalhas

   Era uma vez, em um lugar muito distante, uma pequena vila de grandes guerreiros.
   Estes guerreiros estudavam técnicas de batalha por muitos anos. E treinavam diariamente para uma guerra que um dia viria.
   Após anos e anos de estudo e treinos nas técnicas gerais, especializavam-se em uma arma apenas. Sobre esta arma sabiam mais que os demais e manejavam-na com maestria.
   Com a especialização na arma, ainda passavam anos e anos em treinamento com a mesma, até atingirem os níveis exigidos pelos anciões da aldeia. Os anciões eram respeitados por seu extenso conhecimento nas artes da guerra; haviam estudado por anos e anos no assunto - e lutado muitas guerras, diziam.
   Estando assim no nível superior de estudos, os guerreiros especializados repassavam seu conhecimento adquirido para os novatos guerreiros que iniciavam seus estudos nas artes da guerra.
   Por vezes alguns destes guerreiros se iam da aldeia e não mais voltavam. "Estão batalhando", diziam os anciões. Porém raramente algum destes retornava para contar suas experiências. "As batalhas acabam, mas a guerra sempre continua", diziam.
   Mas para os jovens guerreiros estas batalhas nunca chegavam. O desejo de luta real era iminente - desejavam colocar em prática seus conhecimentos teóricos. Entretanto para alguns guerreiros a guerra jamais chegava; alguns sequer acreditavam que esta realmente existia. Mas seguiam confiando no que os anciões pregavam - com uma fé religiosa.

   O tempo passava, passavam os guerreiros e os anciões. Só não passavam as guerras - repetiam. E enquanto as batalhas não chegavam, seguiam estudando. Com o tempo a maioria chegaria ao nível de ancião e repassaria os conhecimentos, como um infinito ciclo. Os demais seguiriam, tendo fé que um dia chegaria sua vez.

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