29 de fev. de 2012

Analfabetismo manual

Ah, maldição. Desaprendi a escrever. Virei um escravo das teclas.
Com caneta e papel, apenas 'desenho letras'. Algo próximo de hieróglifos ou pinturas rupestres.

Tá certo que não é de hoje que minha letra não é a mais bela... mas já foi no mínimo compreensível. Por vezes nem eu mesmo à compreendo. Já fiz caligrafia, já escrevi com letra de forma - mas a forma foi entortando, e ficando cada vez mais deformada.

Me sinto um Analfabeto Manual - uma sensação de que se continuar neste ritmo, ou datilografarei digitarei meu nome, ou usarei minha impressão digital. Se bem que a assinatura é algo tipo um risco qualquer... apenas tenho que desenhá-lo sempre igual!

22 de fev. de 2012

Diário de Mudanças [2]

Roupas diversas novamente empilhadas. Caixas novamente pelo chão. Poeira pelo ar (e pelos móveis).

O apartamento cada vez mais e mais vazio. Minha vida cabe em caixas - em poucas caixas. Ando mudando de casa, mais do que de celular (e isto, nos dias atuais, é muita coisa!).

De sobre mesas e gavetas, arrasto tudo para uma caixa... no próximo apartamento me preocuparei em arrumá-los. Isso é problema para meu 'eu futuro'. A geladeira, mais vazia do que nunca. E a alimentação, nem comida congelada: tele-entrega.

Me sinto como indo à faculdade; aquela preocupação de estar esquecendo alguma coisa - até se tocar de que o que importa está na pasta/mochila. O que realmente importa para a minha sobrevivência, agora cabe em uma mochila. Como um soldado em plena guerra.

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15 de fev. de 2012

Os óculos

Desci as escadas, abri o portão e pisei na rua. Poucos passos precisei para me tocar de que algo não estava certo. O mundo estava diferente; sem cor, nublado, estranho. Conferi as horas no relógio e olhei para o céu tentando descobrir se vinha chuva. Tudo aparentava a normalidade usual. Dei um passo, e ia seguir meu rumo diário, quando fui limpar meus óculos - um vício dos míopes. Levantei a mão para segurar a haste, e quase acertei meu olho. Maldição... esqueci meus óculos em casa!

Meia volta, volver. Abre portão, sobe escadas, pega os óculos de sobre a mesa, e retoma rotina. Bem que notei que o mundo não estava em HD. Ah escravidão, não vivo sem meus óculos; mas antes que me recomendem usar lentes... eu gosto de usar óculos. Poucos me entendem... mas meus óculos não são apenas uma armação que segura lentes curvas, presa em minhas orelhas... é mais que isso. É estilo. E não, não estou dizendo que fico mais bonito ou estiloso com eles. Mas representam-me. Tipo quando você está em algum local e dizem: "Ali... do lado do cara de óculos"; ou mesmo: "Um cara alto... que usa óculos!". Não quero ser apenas o "cara alto"; seria mais difícil de lembrarem de mim. Divaguei demais...

11 de fev. de 2012

Descobertas [2/2]

 [...continuação]

O SINO SOOU 1X NO PUB. 
   Pediram a última rodada.

   Após uma forçada risada, Fernando perguntou, tentando rir:
   - OK, já que descobrimos que literalmente temos de lhe perguntar sobre tudo... você por acaso nunca ganhou algum Prêmio Nobel?
   - Não... - respondeu Alberto.
   - Ufa, seria muita surpres[...]
   - ...ainda. - continuou Alberto.
   Novamente: silêncio.
   - Nã...nã...nã. Nada mais me surpreende hoje. - disse Saul. - Explique-se.
   - Ah... estão encaminhando minha indicação por uma pesquisa que participei a algum tempo, e tenho boas chances.
   - Heim? Que pesquisa? Sobre o que?! - perguntou alguém, com olhos esbugalhados.
   - Bem, à princípio descobrimos uma possível cura para o câncer.
   Até uma mesa ao lado silenciou desta vez.
   - Cura... câncer? Como... assim?
   - Sabem como é...  testes laboratoriais com cobaias... repetições, diferentes tratamentos, placebos, etc.
   - E nunca... - Ricardo começou a pergutar.
   - ... perguntaram. - completou Alberto.
   - Mas...
   - Ninguém nunca comentou que tinha câncer aqui... - tentou se explicar Alberto.
   Se entreolharam tentando descobrir o que poderiam agora sequer falar. Olhavam para os lados, imaginando se nas outras mesas também estariam havendo tantas descobertas numa só noite. Novo silêncio. Pareciam agora totais desconhecidos; imaginavam se, entre os outros amigos presentes na mesa, também não haveriam outros pequenos-grandes segredos desconhecidos.

8 de fev. de 2012

Descobertas [1/2]

   Era noite; aquele calor com frio, característico da primavera. O pub estava cheio, como sempre. Claro que para este pub estar cheio, bastavam poucas pessoas. Pelas mesas grandes copos de cervejas artesanais; e o burburinho de várias conversas ao mesmo tempo. Em uma destas mesas, o grupo de sempre; amigos de longa data. Entre eles, os assuntos de sempre.
   Comentavam o carro novo de um, a formatura de outro, o ingresso no mestrado de um terceiro, o possível casamento de um quarto, e os velhos tempos de colégio de todos. Analisavam o desenvolvimento econômico, cultural e intelectual daquele grupo que em anos passados só jogavam bola e andavam de skate. "Quem diria que estaríamos hoje entre engenheiros, economistas, empresários e etc!", comentou um deles, "Uns já tiveram filhos, outros já plantaram árvores, agora só falta alguém escrever um livro...", completou, brincando com o ditado popular de 'uma vida completa' e 'plenamente realizada'.
   Todos riram alegremente; menos Alberto.
   - Bem, na realidade... eu já escrevi um livro. - disse.
   Silêncio na mesa. Todos se entreolham, com estranheza.
   - Como assim 'já escreveu um livro'? - questionou Ricardo.
   - Hã... escrevi palavras, impresso, capa... papel Offset 75g...
   Novo silêncio; quase constrangedor. Um clima de desconfiança no ar.

1 de fev. de 2012

A cela e a janela

Sol...
Um lindo dia, poucas nuvens - apenas pintando o azul celeste -, brisa leve, pássaros cantando... 
e eu aqui preso, assistindo a tudo, por uma janela.

Preso. Entre quatro paredes. Meu mundo é o que me cerca. Saindo apenas algum tempo por dia, para sentir o frescor do mundo real. O sol toca minha pele, me trazendo velhas lembranças.
De fora, olho a mesma janela. O mundo ao contrário.
...retorno, de volta a cela, de volta à janela.

Chove...
O dia vira noite, vento, trovões, a água lavando o mundo...
e eu aqui preso, assistindo a tudo, por uma janela.

A água cessa. O vento varre as nuvens. O sol reaparece. Tudo recomeça.
Vejo à tudo, pela janela.

O que me separa do mundo lá fora... é apenas uma chave e uma maçaneta.
Se as girar, encontrarei o mundo real.
Porém é mais fácil seguir nesta cela.
E olhar o mundo passando pela janela.

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