9 de out. de 2013

Carnívoros


   "Libertem as proles" - gritavam os manifestantes em mais um protesto contra o consumo de carne humana, em frente ao maior matadouro do estado.
   Protestos do gênero já haviam se tornado comuns; ocorrendo desde o início da produção, em um passado nem tão distante. "Libertem as proles - são humanos como nós" - gritavam alguns manifestantes. "As proles também têm sentimentos" - berravam outros.
   Criados desde o nascimento (nos chamados "berçários"), as proles de modo algum eram vistas como "humanos" pelas massas. Não falavam, não se vestiam, nem nada do gênero.
   "É necessário! O mundo não sobreviveria sem as proles atualmente" - afirmavam os produtores. Nada se perdia neste negócio; as peles, cabelos e até o esterco viravam produtos. Era definitivamente um lucrativo sistema. "Nascem para isto" - ressaltavam os consumidores.
   Para o povo em geral esta produção era sequer estranhada. Nasceram e cresceram comendo carne humana; nem contestavam os porquês. Este ingrediente fazia parte da dieta geral, estando presente em diversas receitas e modos de preparos.
   "Não somos animais ou coisa do gênero para consumir mato ou carne de bicho" - diziam exaltados os carnívoros frente aos argumentos dos ativistas.
   As autoridades apenas controlavam os escassos manifestantes no local. Aos poucos o protesto se dissipava. Em breve ocorreria novamente - sem causar impactos na produção.


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2 de out. de 2013

Notas sobre uma praia

Caminhei por horas sobre a areia;
o mar tentando a todo momento molhar meus pés.
Caminhei por horas pela beira da praia;
olhei para trás e parecia que poucos metros havia percorrido.

Estou em um hotel barato próximo ao mar. Divido com outros cinco colegas. Todas noites são iguais - garotos bêbados discutindo futilidades corriqueiras. Por vezes fujo de tudo para olhar o oceano e tentar lavar a alma.

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Escrevo essas palavras de um ônibus que desconheço seu trajeto - só sei seu destino.
A cidade está tomada de estrangeiros. Congressistas doutores vindo de vários lugares. Conversei em um péssimo inglês com dois deles. Uma pesquisadora canadense e um professor australiano. "Austrália - a terra onde qualquer coisa pode te matar" disso à ele. Ele riu; piada clássica. Me questionaram o que pretendo fazer em meu futuro. Respondi o óbvio, pois nem eu o sei.

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Gaivotas gigantescas molhavam as pernas no mar.
Corriam de mim quando me aproximava.
O mar vêm e vai.

Um terminal de ônibus se aproxima.
Pessoas correm.
Em algum lugar o mar vêm e vai.

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27 de set. de 2013

Há muito tempo que ando na rua de uma Elegante Barbearia


Fundada em 1947, a Barbearia Elegante vai fechar as portas...

2013. A barbearia localizada quase na esquina da Jerônimo Coelho com a Borges era (ou ainda é) um pedacinho do passado, no centro de Porto Alegre. A aposentadoria, depois de mais de 60 anos, deve ser um sinal dos novos tempos. Os barbeiros que não irão "guardar na gaveta suas navalhas", vão migrar para outras barbearias e salões ainda vivas.
"Oh, fica com o meu cartão". - disse o meu barbeiro - "Vou estar agora ali na travessa, perto da saída do cinema". Ali já não é mais exatamente a saída do cinema. O cinema já fechou praticamente - uma ou duas salas permanecem apenas.

Foto: Instagram - Roberta Malta (http://instagram.com/p/Y5ZFVCCqUN/)

Os cinemas eram sucesso em 1947, quando a barbearia abriu. Nos cartazes provavelmente estavam "Copacabana" - com  Groucho Marx e Carmen Miranda - e “Tarzan e a Caçadora”. Era pós guerra; os Aliados haviam vencido o Eixo dois anos antes. A geração "baby boom" iria cortar seus cabelos por ali. Na rua, em frente, deviam passar ou estar estacionados alguns Ford Mercury, Simca's e Chevrolet's. Talvez movidos à gasogênio - já que a gasolina estava em falta.
Em 1950' os bondes deviam rodar pelas ruas. "Subir no bonde, descer correndo". Eram os "Anos Dourados". O DNA era descoberto naqueles tempos. Uruguai ganhou a Copa de 50, mas o Brasil levou a de 1958 - a primeira! O clima ainda era de pós-guerra; geração Beat se formava, principalmente nos Estados Unidos. Na barbearia deviam entrar jovens usando jeans para aparar seus topetes.
Em 1968, quando a barbearia foi assumida por Ilson Schambeck, nos cinemas estava sendo lançado o clássico "2001: Uma Odisséia no Espaço". Nas rádios tocava "Se Você Pensa", do Roberto Carlos; a Jovem Guarda ainda reinava. Nas ruas deviam rodar alguns já velhos Cadillac's, Belair's e Ford's Victoria; talvez alguns DKW, Fuscas, Romi-Isettas e Gordinis recém saídos de fábrica. "Sessenta e oito, um mau tempo talvez"; fora do Brasil acontecia a Guerra do Vietnã.
A década de 1970 passou sob ditadura. Um "Porto não  muito alegre". O "milagre brasileiro" acontecia; e a censura da mídia ao mesmo tempo. Ali pertinho, na esquina democrática, alguns protestos devem ter acontecido; torturas e violência policial ao mesmo tempo. Mas, "Deu pra ti anos 70"; alguns hippies devem ter aparado suas madeixas por lá.
Os anos 1980 foram talvez a "Belle Époque" do rock gaúcho; Engenheiros do Hawaii, TNT, Taranatiriça, Cascavelletes. Nas ruas protestos novamente; Diretas Já e fim da ditadura militar. No fim da década caía o Muro de Berlin.
Em 1990' o salão já era antigo. A revolução digital ia iniciando; no salão velhas cadeiras. Os anos 2000' passaram também; os barbeiros lá liam seus jornais. 2010' entrou; o salão havia reduzido de tamanho e o filho do barbeiro fundou um bistrô ao lado da barbearia.

A barbearia estava toda reformada, sem perder o estilo mais que clássico. A navalha estava sempre afiada - e eu confiava totalmente nas mãos dos velhos barbeiros. Terei de buscar outro túnel do tempo. Talvez ali perto da saída do cinema – enquanto este também ainda estiver por lá.

Entrando na Barbearia Elegante eu viajava para as décadas de 1970, 60, 50... juro que as vezes eu via um velho Ford passando na rua.
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25 de set. de 2013

Café & Morte

O movimento estava tranquilo naquele dia. O cheiro de café comumente inundava o local. Lavava algumas xícaras e pensava alguma futilidade cotidiana.
Com um leve rangido a porta se abriu, entraram alguns clientes; sentaram em mesas. Fez sinal que já lhes atenderiam. Fechou a torneira, secou as mãos e pegou alguns cardápios para distribuir.
Quando se aproximava de uma das mesas teve um impacto ao de relance reconhecer em uma mesa seu antigo orientador.

Aquele homem era um dos tradicionais professores que têm por prazer moer o ego e os sentimentos de seus alunos. Era a personificação de todo o ódio e amargura que sentira na vida.
Entregou-lhe o cardápio tentando não se mostrar muito, em uma vã tentativa de que não fosse reconhecido. Porém...
- Ei... Eu conheço você! Sim, é você mesmo. Como vai?
Naquele momento ele era atendente de uma cafeteria. O que deveria entender com "como vai"?

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Olhava para o alto; era um dos maiores edificios da cidade. Se nada mais desse certo seria de lá que ele se jogaria.
Arrumara o emprego pra fugir de tudo que fizera em sua vida. Queria tentar recomeçar. Nova vida. Fingir ser outra pessoa. Na realidade nada dera certo e não havia mais o que fazer. E se agora tudo não se resolvesse...

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Quantas cafeterias possuiam um Doutor como atendente? Quantas pessoas com diploma de doutorado acabavam assim?

A fumaça da máquina subia enquanto mais um espresso era tirado. O barulho do leite sendo espumado era a música local.
Um machiatto, dois espressos e quatro pães de queijo. Dois capuccinos, um latte e duas tortas.
A simplicidade da matemática já não torrava seus neurônios.

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Olhava para cima, do outro lado da rua. Estava certo: se jogaria no alto do prédio. A hora era propicia, pouco movimento na rua e muito no prédio comercial. A subida seria fácil. A decida não sabia.
Com a certeza de sua decisão pôs o pé direito em direção a rua. Sem a preocupação do dilema de vida ou morte, simplesmente atravessou. Uma motocicleta cortava um carro e fazia uma ultrapassagem indevida.
Não seria hoje.

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No café tudo seguia igual.
Um submarino, dois ristrettos, 2 fatias de torta.
No hospital soro e uma parede verde-água ou seja lá qual for a denominação deste tom hospitalar.
Os bipes de um aparelho ressoavam.
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18 de set. de 2013

#primavera

   Um gigante acordou. O povo tomou as ruas. Poucos centavos foram apenas a gota d'água que transbordou um copo. Chegou a primavera - as flores desabrocharam.
   As manifestações ganharam proporções maiores. Receberam apoio de quem antes as criticava. Uma antes taxada "massa de manobra" agora tomou rumo.
   Os protestos focaram em vários temas. O público se ampliou. A mídia aprovou. O povo apoiou. Os governantes se movem. O congresso foi tomado. A polícia reduz sua repressão. O pacifismo se amplia.
   O calor dos protestos chega em seu máximo. Mas um vento de longe anuncia novos tempos. Talvez o outono se aproxime. As folhas cairão; flores já não serão mais vistas. Tudo é cíclico.



* texto escrito durante os protestos (#neocarapintadas) que tomaram o país, em 2013.
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11 de set. de 2013

Notas de uma lavanderia


   Aguardo sentado enquanto a roupa seca, em uma comum lavanderia no centro. Fim de tarde - novamente. Na rua os carros fazem fila em cada semáforo vermelho. Fim de tarde - hora do rush.
   Sigo lendo Kerouak e suas Cenas de Nova York. Me sinto as vezes um pouco hipster; quase cena típica ler em uma lavanderia.
   Corre-corre. Todos seguem apressados, tentando fazer o tempo seguir mais rápido. Fim de tarde. Mães pegam seus filhos na saída da escola. Jovens buscam suas roupas na lavanderia. Filas de carros.
   Noite chega. Seguem carros, pessoas, roupas. Verde. Fim do tempo. Roupas secas.


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4 de set. de 2013

Busca



Tentou encontrar-se em todas artes; 
faltou a certa. 
Morreu amargurado.


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28 de ago. de 2013

Notas de um dia chuvoso


   O asfalto reflete as luzes do semáforo. Dia chuvoso. O ar parece saturado de água. Guarda-chuvas, botas e casacos desfilam pelas ruas.
   Labutei duramente durante o dia, aproveitando uma trégua do tempo. As botinas derraparam no lamaçal e as calças foram marcadas pela terra molhada jogada dos pneus - da mesma lama que atolou uma Kombi.
   Poças de água marcam o caminho. Sentado no ônibus ao menos aprecio uns minutos de proteção. Fazem uns quatro dias que chove sem aviso, em um chove e para cansativo. Sobre o colo segue aberto As Vinhas da Ira, de Steinbeck. Na memória surgem dias chuvosos nos anos 90. As roupas saturadas de água. O corpo gélido tremendo. Um banho quente resolvia tudo.
   Volto as ruas. Volta a chuva. Me escondo sob uma marquise. Aguardo a chuva passar. Mas não passa. Não vai passar. Encaro a chuva, correndo de abrigo em abrigo. Os cabelos e a barba vão acumulando a água. As roupas vão saturando aos poucos.
   Já não são mais anos 90. Já trocamos de década; de século; de milênio. Mas um banho ainda resolve tudo. Ou quase tudo.


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21 de ago. de 2013

Metades


Metade da vida sendo quem não era 
e a outra outra metade sendo quem não queria ser.

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14 de ago. de 2013

Notas de um dia cinza


   O dia amanheceu cinza. Assim como os últimos dois. O vidro marcado pelos pingos dá um ar melancólico à paisagem da janela. Ao fundo um morro se esconde na neblina. Se escondem também as pessoas dentro de suas casas.
   Lá fora nada muda. O céu segue no mesmo tom. Não se vêem os aviões, não se ouvem sequer os carros. Fico tentado a correr para fora e assistir as ruas vazias; um resfriado me impede.
   Enquanto isso um livro me faz companhia. Kerouak vira meu companheiro.


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7 de ago. de 2013

Textos programados

   Escritor, morreu em um incidente em uma rua pouco movimentada, em noite qualquer. Morreu o autor, mas não sua obra; esta viveria pela eternidade, nem que esquecida em uma prateleira qualquer.
   O que muitos não sabiam é que ele mantinha um blog com seus mais íntimos pensamentos. Quando foi descoberto, toda sua vida estava lá. Todas suas memórias, sonhos e pensamentos. O local tornou-se um memorial para seus poucos fãs. Seus escritos eram lidos e relidos.
   Um dia um novo texto foi publicado; pensamentos empoeirados pelo virtual tempo. E a cada mês, um novo escrito ganhava vida - mesmo com a morte de seu autor. O tempo foi contado por alguns, acompanhado, aguardado. Seus escritos mais profundos vinham ao mundo após nenhum outro mais poder ser criado. Ninguém sabia até quando isto poderia ocorrer. Ninguém se importava.
   Certo dia, no dia certo, um texto não foi publicado. A segunda morte do autor chegava.

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31 de jul. de 2013

Notas de um ônibus


   Lá fora tudo passa; rápido pela janela. Passam as ruas, carros, luzes, pessoas. Noite inicia. Paradas cheias de pessoas vazias. O corre corre de todos os dias, intensificado pelo último útil da semana.
   Cruzamentos congestionados de carros com motoristas solitários. Carros que levam  e trazem pessoas do trabalho; que trabalham para poderem pagar seus carros, para poderem ir de carro para o trabalho.

   No colo segue um livro aberto. Esperando ser lido. Mas pela janela há tantas histórias não lidas; e que nem esperam ser.

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24 de jul. de 2013

Amarga dor



Esse aperto no peito
sem ação ou efeito
que de onde parte
não sei.

É um algo de amargo
sem gosto, sem lado
que me dói
sem doer.



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17 de jul. de 2013

Notas de uma ru(ss)a


   Acabo de conversar brevemente com uma russa em plena Rua da Praia; não lembro de qual cidade ela citou que veio, mas lembro que falou que era um local muito frio. Provavelmente deve estar se sentindo em casa agora, visto que chegou o outono oficialmente. As ruas recendem a uma mistura de cheiros de casacos novos e guardados por longo tempo.
   A tal russa tinha um jeito de budista; na real acho que era hare-krishna. Distribuía livros de auto-ajuda e espirituais. A oferta era livre, quaisquer moedinhas. Acabei não levando nada. Fiquei me sentindo mal por isto.
   Entrei em uma cafeteria e pedi um café para levar. O dia acordou cinza e ainda não ganhou cores. Mas todos parecem mais vivos; talvez pelo contraste de tons. Andei com o café na mão; continuei me sentindo mal. Vou voltar e comprar qualquer livro. A história por trás do livro é ainda mais interessante.


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10 de jul. de 2013

Rodina



Noite cai
Dia finda
Povo corre
rumo casa.
Noutro dia
adivinha...
Corre povo
Tud'enovo.


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3 de jul. de 2013

Antes de pegar aquele trem


   Antes de pegar aquele trem, conversava com uma mulher; nascida no mesmo ano que ele, apesar de a mesma parecer mais velha - se bem que ela pensou o mesmo sobre ele. Ela havia se separado a pouco tempo, dizia que estava querendo se aquietar um pouco. Se ele estivesse solteiro, não pensaria o mesmo.
   Antes de pegar aquele trem, havia pegado um ônibus até a estação; sentada alguns bancos à frente estava uma garota, parecida com uma atriz americana. Ela estava lendo Goeth. Ele não falou com ela, apenas trocou exatos três olhares - e depois ela saiu. Não perguntou seu nome. Talvez nunca a veja mais. Talvez não faça diferença.
   Antes de pegar aquele trem... haviam mais dúvidas que certezas. Nada mudou.

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26 de jun. de 2013

12 bilhões de índios

   Não é novidade a luta entre produtores rurais e ativistas ambientais (e/ou de direitos indígenas).

   Frequentemente ouvem-se as afirmações negativas de produtores rurais, e pessoas ligadas a área, sobre as áreas de preservação ambiental e do patrimônio indígena. Uma das principais alegações são a redução das áreas agriculturáveis. Sem entrar em detalhes técnicos, a problemática do cultivo é por vezes mais ligada a produtividade (Mg/ha) do que a área produzida. Ou seja, há tecnologia à disposição e não sendo utilizada. Isso sem citar que as maiores áreas produzidas muitas vezes são ligadas à monocultura de grãos de alto valor - como soja e milho. Produtos de mercado - commodities. Independentemente, a missão continua: alimentar o mundo.

19 de jun. de 2013

Horizonte aprisionado







E o futuro foi se indo,

como um horizonte preso

entre dois prédios.






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12 de jun. de 2013

Vizinhos




"Bom dia, vizinho!"
- disse o mendigo
que dormia em frente ao prédio.


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5 de jun. de 2013

Poemas no ônibus - 2012



"Coração sofreu, 'cisco no olho', disse eu" (Lágrimas - L.A. Kapletto)


POEMAS NO ÔNIBUS E NO TREM - 2012
Porto Alegre/RS

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29 de mai. de 2013

+ 5 microcontos



+ Vivia uma vida semi-nova.


+ Sobreviveu, vivendo por vezes.


+ Negocio meus sonhos com uma caneca de chá.


+ Comprou a amizade como se fosse produto; acabou a validade.


+ Por preguiça de levantar do sofá, assistiu a programas que não lhe agradavam.


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26 de mai. de 2013

Anoiteceu em Porto Alegre [3/3]


   O sol nasce pra todos todo dia de manhã. Dizem que o mal nasce do medo da escuridão. Na real eu tenho medo é do medo que as pessoas têm.

   Em algum lugar um alarme de carro não para de tocar. Um gosto amargo na boca. Trago comigo os estragos da noite; não nego. 
   Noites que passaram, noites que virão. Noites que passamos lado a lado em solidão. Noites que viramos esperando o sol nascer; esperando amanhecer. A certeza é que último dia do ano é sempre igual ao primeiro.
   Os dias parecem séculos e se parecem uns com os outros. E a gente anda em círculos, seguindo ideais ridículos de querer, lutar e poder. Mas não tenho medo de perder a guerra, pois no fim da guerra todos perdem.
   Em pouco tempo recomeça tudo lá fora, nas esquinas e nas escolas. E daqui a pouco vai ter alguém vendendo as machetes pelas ruas. Nada diferente. Chegamos finalmente ao "amanhã". 

   Amanheceu em Porto Alegre.

25 de mai. de 2013

Anoiteceu em Porto Alegre [2/3]

   Desisto. Abandono a tortura mental do quarto; da insônia que me persegue. Coloco qualquer roupa jogada pelo chão, giro a chave e bato a porta. Desço as escadas, degrau por degrau até alcançar a rua. O casal de jovens já não está mais ali, os táxis já não passam mais por aqui e um pedinte dorme debaixo de um papelão. Não adianta mesmo ser livre, se tanta gente vive sem ter como comer. 
   Sigo sem rumos, sem barreiras ou fronteiras; na liberdade que só as madrugadas podem conceder. Não é a primeira vez que faço este trajeto, não é a primeira vez que sigo pelas ruas tarde da noite. 
   Suave é a noite, e é a noite que eu saio - pra conhecer a cidade e me perder por aí. Suave é cidade pra quem tem necessidade de se esconder. Esta cidade muito grande e ao mesmo tempo tão pequena; uma realidade por vezes tão distante do resto do país. Estamos longe demais das capitais.
   As ruas seguem sob meus pés; atravesso uma grande avenida sem sequer necessitar olhar para os lados. Ao longe alguns carros, o barulho dos freios de um ônibus, e outros seguindo seus próprios rumos. Há mais de mil destinos em cada esquina.
   Sempre me perco pelas mesmas ruas; não trago mapas, não leio as placas. Ando sem saber até quando. Não quero ter o que não tenho; só quero viver. Perder o rumo é bom - se perdido a gente encontra um sentido escondido em algum lugar.
   Subo uma longa escadaria, observo o mundo lá embaixo. Ao longe os morros iluminados. Em alguns prédios janelas ainda acesas. Desço pelo outro lado das escadas. Nas calçadas moradores das ruas - moradores da noite. 
   Pelas ruas a indiferença, a desigualdade, a fragilidade humana. E todos fingem ser cegos; assistem as cenas e fingem pena. Isso já faz parte da rotina. Não é que eu faça questão de ser feliz, só queria que parassem de morrer de fome a um palmo do meu nariz. 
   Sigo pelas ruas sem planos, sem rumos. Pelo chão resquícios de propagandas de um prazer pago. Nas paredes as marcas dos modernos homens das cavernas: pictografia, arte rupestre ou somente pichações? Placas, adesivos, outdoors.
   Muros e grades separam um mundo real de outro imaginário. Um país tão irreal e violento. O medo leva o povo a tudo - sobretudo à fantasia. E assim erguem-se muros para dar uma falsa garantia de uma morte cheia de uma vida tão vazia. 
   Ando só. Mesmo que pareçam bobagens as rotas que eu traço, tento traçar meus rumos (a esmo). Sigo sem saber aonde vou. Afinal de contas: nem sempre faço o que é melhor pra mim, mas nunca faço o que eu não tô afim de fazer. 

24 de mai. de 2013

Anoiteceu em Porto Alegre [1/3]

   Anoiteceu em Porto Alegre. 
   O sol mergulha no Guaíba. A escuridão vai tomando conta da cidade. Pelas ruas e avenidas a hora do rush; pessoas correndo, como que fugindo da Hora do Brasil. De algum lugar em meio a multidão ouve-se uma canção. 
   Da janela de um quarto de hotel assisto o corre-corre do povo. Amanhã será um novo dia. Um novo ano. Um novo recomeço. 
   Na rua ouço o rádio de um táxi; pastores exorcizando e ditadores sendo depostos. No quarto quase escuro, apenas a luz da televisão, fazendo com que as paredes mudem de cor a cada cena.
   O vento sopra; canta uma canção. Sento em frente ao aparelho televisor. O quarto cada vez mais escuro. Passam-se horas em minutos. E lá fora o resto de dia vira noite.
   Pairo novamente na janela. A cabeça nas nuvens e os pés no chão. Outro cigarro. Acho que envelheci dez anos ou mais neste último mês. 
   Novos pensamentos; velhos pensamentos. Vozes em minha cabeça. Um silêncio anormal para aquelas ruas. Táxis, moradores de rua. 
   Conto as horas que passam, na solidão das noites sem graça destes quartos de hotel.

22 de mai. de 2013

Notas de um vagão


   Estou com 25 anos; quase 26. Relativamente ainda longe dos 30, mas já sofrendo uma certa depressão adiantada.
   Estudei, me formei, arrumei alguns empreguinhos. Mas por aí ficou; nenhuma grande mudança ou notável conquista. Nada que poderia me gabar no futuro; nem os famosos 15 minutos de fama.
   Com menos idade que isto, muitos ganharam medalhas olímpicas, outros apareceram na mídia fazendo sucesso com bandas ou similaridades artísticas. Outros já haviam lançado livros que se tornaram clássicos. 
   Não tenho filhos, nem sei se os quero.

   Sobrevivo com uma espécie de emprego; uma bolsa de estudos que apenas me garante o pão de cada dia e um teto - não que precise de mais, é claro, mas certamente menos do que queria.
   Não fiz grandes viagens ou aventuras, estou longe do emprego dos sonhos - se é que o tenho em mente.
   Vivo a vida apenas sobrevivendo dia após dia.

   Li a algum tempo o livro do Kerouac, onde o jovem americano percorreu as estradas vivendo algumas loucuras juvenis. Eram outros tempos, hoje seria um "perigo". Tolkien lutou na Grande Guerra; saiu vivo e criou um mundo inteiro. Rowling diz que criou sua história em uma viagem de trem - estou em um agora, saindo de uma cidade da metrópole e indo de volta à capital.
   Minha maior mudança de vida foi uma mudança de cidade; penso diariamente se fiz a coisa certa sem chegar a uma conclusão. 
   E acho que pensaria diariamente se não o tivesse feito.

   No vagão que estou há apenas outras 9 pessoas; todos homens. Um policial escreve em uma apostila, outro rapaz mexe em um celular. Minha estação ainda está longe. 
   ...assim como a solução dos meus problemas.


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15 de mai. de 2013

O temporal


O tempo fechou, o céu nublou
e tudo escureceu.
Correu o povo, que buscava socorro
em qualquer lugar.

As negras nuvens, tapavam as luzes
provocando o medo.
E na espera d'água, ficou a mágoa
da distância do lar.

No morro mais alto, da selva de asfalto
pairava uma antena.
E durante a noite, ficavam as luzes
alertando aviões.

Mas estavam enganadas, as desavisadas
luzes de alerta.
Pois foi sem aviso, que durante o dia
a noite chegou.

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8 de mai. de 2013

Máscaras






Num descuido um sorriso escapa
E se desfaz a capa
De quem tentava
Se passar por mau.





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4 de mai. de 2013

A poesia está na moda...


   Após o livro de Paulo Leminski chegar no topo da lista dos mais vendidos, parece que a poesia e os poemas chegaram juntos no gosto popular - ou, ao menos, na moda (a transposição representativa visual generalizada de uma população... ou seja, se não gostam, pelo menos representam... fingem).

1 de mai. de 2013

Batalhas

   Era uma vez, em um lugar muito distante, uma pequena vila de grandes guerreiros.
   Estes guerreiros estudavam técnicas de batalha por muitos anos. E treinavam diariamente para uma guerra que um dia viria.
   Após anos e anos de estudo e treinos nas técnicas gerais, especializavam-se em uma arma apenas. Sobre esta arma sabiam mais que os demais e manejavam-na com maestria.
   Com a especialização na arma, ainda passavam anos e anos em treinamento com a mesma, até atingirem os níveis exigidos pelos anciões da aldeia. Os anciões eram respeitados por seu extenso conhecimento nas artes da guerra; haviam estudado por anos e anos no assunto - e lutado muitas guerras, diziam.
   Estando assim no nível superior de estudos, os guerreiros especializados repassavam seu conhecimento adquirido para os novatos guerreiros que iniciavam seus estudos nas artes da guerra.
   Por vezes alguns destes guerreiros se iam da aldeia e não mais voltavam. "Estão batalhando", diziam os anciões. Porém raramente algum destes retornava para contar suas experiências. "As batalhas acabam, mas a guerra sempre continua", diziam.
   Mas para os jovens guerreiros estas batalhas nunca chegavam. O desejo de luta real era iminente - desejavam colocar em prática seus conhecimentos teóricos. Entretanto para alguns guerreiros a guerra jamais chegava; alguns sequer acreditavam que esta realmente existia. Mas seguiam confiando no que os anciões pregavam - com uma fé religiosa.

   O tempo passava, passavam os guerreiros e os anciões. Só não passavam as guerras - repetiam. E enquanto as batalhas não chegavam, seguiam estudando. Com o tempo a maioria chegaria ao nível de ancião e repassaria os conhecimentos, como um infinito ciclo. Os demais seguiriam, tendo fé que um dia chegaria sua vez.

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20 de abr. de 2013

Sonhos neuróticos

   A alguns dias tive um estranho sonho, que ainda estou tentando interpretar...

   Sonhei que, sabe-se lá como, eu tinha virado um reconhecido ator de cinema. Durante uma entrevista com uma repórter ela me questionava: "Com que diretor você gostaria de atuar"; "Ah, certamente com Woody Allen", respondi. Nisto, o Allan Stewart Königsberg (também conhecido como, justamente, Woody Allen) estava exatamente atrás de mim e ouviu o que eu respondi para a repórter, cutucou meu ombro e falou: "Hei, eu estava justamente lhe procurando... você é perfeito para o papel principal do meu próximo filme". 
   O estranho é que o filme fugia levemente dos outros clássicos do diretor (onde os atores sempre o interpretam); para ser mais exato a ideia do Woody era que ele me interpretasse - eu na realidade nem apareceria no filme, ele faria o meu papel. É lógico que eu topei a ideia na hora.
   Assim, Woody Allen passou vários dias me seguindo e fazendo tudo o que eu fazia - o famoso "laboratório". Usava as minhas roupas, mudou o cabelo, deixou a barba crescer, quase teve uma overdose de café e copiava minhas manias e modos.
   Com o tempo Woody ficou mais íntimo e começou a questionar e criticar meu estilo de vida. Dizia que eu não tomava vitaminas o suficiente e gastava muito dinheiro em café; também estranhava que eu não era muito neurótico. "É necessário ser pelo menos um pouco neurótico nos dias de hoje", dizia. Acabei tirando a barba, cortando os cabelos, comprando novas roupas e sapatos adequados, além de trocar meu cereal matinal. Também tive que agendar consultas pelos próximos 6 anos e meio com um analista. Em poucos dias eu já reclamava de tudo, tomava remédios para controlar a ansiedade e a pressão; já havia até me convertido para o judaísmo. Praticamente uma versão traduzida do próprio diretor.
   Com a finalização do "laboratório" de Woody Allen comigo, eu estava exatamente como ele. Acabou que o filme foi sobre um personagem neurótico em alguma cidade do mundo.

   ... mas acordei antes do lançamento do filme. Ele havia garantido que haveriam bons petiscos na estréia. Uma pena, uma pena.
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23 de mar. de 2013

Confraria do Ranço: a faixa de segurança


Pouco antes da faixa,um motorista buzina enfurecido. Culpa do motorista em sua frente, que parou para os pedestres passarem. O carro da frente anda e o de trás avança 10 metros, parando em cima da faixa (trânsito congestionado/parado). Os pedestres que estavam passando (já que o trânsito estava parado) reclamam para o que parou em cima da faixa... e há um bate boca no local!
Mas a culpa é do pedestre, que passa na faixa com o sinal verde. Não importa se o trânsito está parado; pedestre tem que ficar esperando até fechar o sinal.
Afinal, a rua é dos carros... e dane-se se elas passam por entre as calçadas. E se depois o carro ficar sobre a faixa, com sinal fechado... paciência! Culpa do trânsito ruim das grandes cidades.
Coitado do motorista.
Coitado do motorista.
Coitado do motorista... parado em pleno trânsito, sentado no seu carro. Que se dane o pedestre que está livre ao vento... debaixo do sol. Tendo de andar pra casa.

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27 de fev. de 2013

Um sustinho de vez em quando... só pra se manter acordado.

Olha que louca é a vida...
Recebi a bela notícia de que fui contaminado com um metal pesado. Mais: fui contaminado por tomar café! Não bastasse... o café era feito com a água mais pura que poderia ser encontrada; um lamentável acaso levou ao acidente. Enfim...

Lendo os sintomas... descobri que tinha quase todos. E os que não tinha, logo teria. Auto-sugestão! Porém mesmo sabendo disto, não bastaria para eliminá-los. Dentre os sintomas, algo como: dores de cabeça, insônia, cansaço, tontura, etc. Sintomas que fariam mais sentido, se eu não tivesse passado as últimas duas noites quase em claro, por tomar muito café durante o dia, jogar muitas horas no computador durante a noite, e ainda assistir um longo episódio de uma série antes de dormir.

Olha que louca é a vida....
Tive graves sintomas causados por jogos, café e séries.

Bem... caso eu não sofra graves danos, no mínimo me fez pensar - nem que por poucos segundos - um pouco na vida. E vi que queria viver!

... que louca é a vida.

[Editado] falso alarme... tudo que senti foram efeitos colaterais imaginários. Que louca é a vida!

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16 de jan. de 2013

Fogos no céu

Ao longe os fogos explodem no céu.
Virada de ano; mais um ano, outro qualquer. Parentes e amigos se revezam em uma falsa alegria imposta pela data. Promessas, planos e projetos - iguais a todos anos anteriores.
Em uma outra janela qualquer, ao longe, um outro qualquer assiste televisão - um programa ou filme aleatório. Seja lá quem for este "qualquer um"... não parece preocupado com qualquer tradição ou falsas alegrias. Um dia qualquer hoje, outro amanhã. Só o que muda é o calendário. Números.
Ao longe estouram os fogos, de todas as cores, formas e sons.
... que o próximo ano seja melhor.

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texto escrito em um celular, na virada de 2012 para 2013.
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2 de jan. de 2013

Pisantes

Acabo de voltar de uma loja de calçados, onde comprei um novo par de tênis. Meus antigos pisantes estavam pedindo sua aposentadoria; compulsória, merecida, cumpriram seu contrato. Mas, na falta de imaginação, inspiração ou paciência, comprei um par idêntico ao anterior.
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