28 de ago. de 2013

Notas de um dia chuvoso


   O asfalto reflete as luzes do semáforo. Dia chuvoso. O ar parece saturado de água. Guarda-chuvas, botas e casacos desfilam pelas ruas.
   Labutei duramente durante o dia, aproveitando uma trégua do tempo. As botinas derraparam no lamaçal e as calças foram marcadas pela terra molhada jogada dos pneus - da mesma lama que atolou uma Kombi.
   Poças de água marcam o caminho. Sentado no ônibus ao menos aprecio uns minutos de proteção. Fazem uns quatro dias que chove sem aviso, em um chove e para cansativo. Sobre o colo segue aberto As Vinhas da Ira, de Steinbeck. Na memória surgem dias chuvosos nos anos 90. As roupas saturadas de água. O corpo gélido tremendo. Um banho quente resolvia tudo.
   Volto as ruas. Volta a chuva. Me escondo sob uma marquise. Aguardo a chuva passar. Mas não passa. Não vai passar. Encaro a chuva, correndo de abrigo em abrigo. Os cabelos e a barba vão acumulando a água. As roupas vão saturando aos poucos.
   Já não são mais anos 90. Já trocamos de década; de século; de milênio. Mas um banho ainda resolve tudo. Ou quase tudo.


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21 de ago. de 2013

Metades


Metade da vida sendo quem não era 
e a outra outra metade sendo quem não queria ser.

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14 de ago. de 2013

Notas de um dia cinza


   O dia amanheceu cinza. Assim como os últimos dois. O vidro marcado pelos pingos dá um ar melancólico à paisagem da janela. Ao fundo um morro se esconde na neblina. Se escondem também as pessoas dentro de suas casas.
   Lá fora nada muda. O céu segue no mesmo tom. Não se vêem os aviões, não se ouvem sequer os carros. Fico tentado a correr para fora e assistir as ruas vazias; um resfriado me impede.
   Enquanto isso um livro me faz companhia. Kerouak vira meu companheiro.


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7 de ago. de 2013

Textos programados

   Escritor, morreu em um incidente em uma rua pouco movimentada, em noite qualquer. Morreu o autor, mas não sua obra; esta viveria pela eternidade, nem que esquecida em uma prateleira qualquer.
   O que muitos não sabiam é que ele mantinha um blog com seus mais íntimos pensamentos. Quando foi descoberto, toda sua vida estava lá. Todas suas memórias, sonhos e pensamentos. O local tornou-se um memorial para seus poucos fãs. Seus escritos eram lidos e relidos.
   Um dia um novo texto foi publicado; pensamentos empoeirados pelo virtual tempo. E a cada mês, um novo escrito ganhava vida - mesmo com a morte de seu autor. O tempo foi contado por alguns, acompanhado, aguardado. Seus escritos mais profundos vinham ao mundo após nenhum outro mais poder ser criado. Ninguém sabia até quando isto poderia ocorrer. Ninguém se importava.
   Certo dia, no dia certo, um texto não foi publicado. A segunda morte do autor chegava.

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