27 de set. de 2013

Há muito tempo que ando na rua de uma Elegante Barbearia


Fundada em 1947, a Barbearia Elegante vai fechar as portas...

2013. A barbearia localizada quase na esquina da Jerônimo Coelho com a Borges era (ou ainda é) um pedacinho do passado, no centro de Porto Alegre. A aposentadoria, depois de mais de 60 anos, deve ser um sinal dos novos tempos. Os barbeiros que não irão "guardar na gaveta suas navalhas", vão migrar para outras barbearias e salões ainda vivas.
"Oh, fica com o meu cartão". - disse o meu barbeiro - "Vou estar agora ali na travessa, perto da saída do cinema". Ali já não é mais exatamente a saída do cinema. O cinema já fechou praticamente - uma ou duas salas permanecem apenas.

Foto: Instagram - Roberta Malta (http://instagram.com/p/Y5ZFVCCqUN/)

Os cinemas eram sucesso em 1947, quando a barbearia abriu. Nos cartazes provavelmente estavam "Copacabana" - com  Groucho Marx e Carmen Miranda - e “Tarzan e a Caçadora”. Era pós guerra; os Aliados haviam vencido o Eixo dois anos antes. A geração "baby boom" iria cortar seus cabelos por ali. Na rua, em frente, deviam passar ou estar estacionados alguns Ford Mercury, Simca's e Chevrolet's. Talvez movidos à gasogênio - já que a gasolina estava em falta.
Em 1950' os bondes deviam rodar pelas ruas. "Subir no bonde, descer correndo". Eram os "Anos Dourados". O DNA era descoberto naqueles tempos. Uruguai ganhou a Copa de 50, mas o Brasil levou a de 1958 - a primeira! O clima ainda era de pós-guerra; geração Beat se formava, principalmente nos Estados Unidos. Na barbearia deviam entrar jovens usando jeans para aparar seus topetes.
Em 1968, quando a barbearia foi assumida por Ilson Schambeck, nos cinemas estava sendo lançado o clássico "2001: Uma Odisséia no Espaço". Nas rádios tocava "Se Você Pensa", do Roberto Carlos; a Jovem Guarda ainda reinava. Nas ruas deviam rodar alguns já velhos Cadillac's, Belair's e Ford's Victoria; talvez alguns DKW, Fuscas, Romi-Isettas e Gordinis recém saídos de fábrica. "Sessenta e oito, um mau tempo talvez"; fora do Brasil acontecia a Guerra do Vietnã.
A década de 1970 passou sob ditadura. Um "Porto não  muito alegre". O "milagre brasileiro" acontecia; e a censura da mídia ao mesmo tempo. Ali pertinho, na esquina democrática, alguns protestos devem ter acontecido; torturas e violência policial ao mesmo tempo. Mas, "Deu pra ti anos 70"; alguns hippies devem ter aparado suas madeixas por lá.
Os anos 1980 foram talvez a "Belle Époque" do rock gaúcho; Engenheiros do Hawaii, TNT, Taranatiriça, Cascavelletes. Nas ruas protestos novamente; Diretas Já e fim da ditadura militar. No fim da década caía o Muro de Berlin.
Em 1990' o salão já era antigo. A revolução digital ia iniciando; no salão velhas cadeiras. Os anos 2000' passaram também; os barbeiros lá liam seus jornais. 2010' entrou; o salão havia reduzido de tamanho e o filho do barbeiro fundou um bistrô ao lado da barbearia.

A barbearia estava toda reformada, sem perder o estilo mais que clássico. A navalha estava sempre afiada - e eu confiava totalmente nas mãos dos velhos barbeiros. Terei de buscar outro túnel do tempo. Talvez ali perto da saída do cinema – enquanto este também ainda estiver por lá.

Entrando na Barbearia Elegante eu viajava para as décadas de 1970, 60, 50... juro que as vezes eu via um velho Ford passando na rua.
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25 de set. de 2013

Café & Morte

O movimento estava tranquilo naquele dia. O cheiro de café comumente inundava o local. Lavava algumas xícaras e pensava alguma futilidade cotidiana.
Com um leve rangido a porta se abriu, entraram alguns clientes; sentaram em mesas. Fez sinal que já lhes atenderiam. Fechou a torneira, secou as mãos e pegou alguns cardápios para distribuir.
Quando se aproximava de uma das mesas teve um impacto ao de relance reconhecer em uma mesa seu antigo orientador.

Aquele homem era um dos tradicionais professores que têm por prazer moer o ego e os sentimentos de seus alunos. Era a personificação de todo o ódio e amargura que sentira na vida.
Entregou-lhe o cardápio tentando não se mostrar muito, em uma vã tentativa de que não fosse reconhecido. Porém...
- Ei... Eu conheço você! Sim, é você mesmo. Como vai?
Naquele momento ele era atendente de uma cafeteria. O que deveria entender com "como vai"?

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Olhava para o alto; era um dos maiores edificios da cidade. Se nada mais desse certo seria de lá que ele se jogaria.
Arrumara o emprego pra fugir de tudo que fizera em sua vida. Queria tentar recomeçar. Nova vida. Fingir ser outra pessoa. Na realidade nada dera certo e não havia mais o que fazer. E se agora tudo não se resolvesse...

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Quantas cafeterias possuiam um Doutor como atendente? Quantas pessoas com diploma de doutorado acabavam assim?

A fumaça da máquina subia enquanto mais um espresso era tirado. O barulho do leite sendo espumado era a música local.
Um machiatto, dois espressos e quatro pães de queijo. Dois capuccinos, um latte e duas tortas.
A simplicidade da matemática já não torrava seus neurônios.

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Olhava para cima, do outro lado da rua. Estava certo: se jogaria no alto do prédio. A hora era propicia, pouco movimento na rua e muito no prédio comercial. A subida seria fácil. A decida não sabia.
Com a certeza de sua decisão pôs o pé direito em direção a rua. Sem a preocupação do dilema de vida ou morte, simplesmente atravessou. Uma motocicleta cortava um carro e fazia uma ultrapassagem indevida.
Não seria hoje.

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No café tudo seguia igual.
Um submarino, dois ristrettos, 2 fatias de torta.
No hospital soro e uma parede verde-água ou seja lá qual for a denominação deste tom hospitalar.
Os bipes de um aparelho ressoavam.
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18 de set. de 2013

#primavera

   Um gigante acordou. O povo tomou as ruas. Poucos centavos foram apenas a gota d'água que transbordou um copo. Chegou a primavera - as flores desabrocharam.
   As manifestações ganharam proporções maiores. Receberam apoio de quem antes as criticava. Uma antes taxada "massa de manobra" agora tomou rumo.
   Os protestos focaram em vários temas. O público se ampliou. A mídia aprovou. O povo apoiou. Os governantes se movem. O congresso foi tomado. A polícia reduz sua repressão. O pacifismo se amplia.
   O calor dos protestos chega em seu máximo. Mas um vento de longe anuncia novos tempos. Talvez o outono se aproxime. As folhas cairão; flores já não serão mais vistas. Tudo é cíclico.



* texto escrito durante os protestos (#neocarapintadas) que tomaram o país, em 2013.
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11 de set. de 2013

Notas de uma lavanderia


   Aguardo sentado enquanto a roupa seca, em uma comum lavanderia no centro. Fim de tarde - novamente. Na rua os carros fazem fila em cada semáforo vermelho. Fim de tarde - hora do rush.
   Sigo lendo Kerouak e suas Cenas de Nova York. Me sinto as vezes um pouco hipster; quase cena típica ler em uma lavanderia.
   Corre-corre. Todos seguem apressados, tentando fazer o tempo seguir mais rápido. Fim de tarde. Mães pegam seus filhos na saída da escola. Jovens buscam suas roupas na lavanderia. Filas de carros.
   Noite chega. Seguem carros, pessoas, roupas. Verde. Fim do tempo. Roupas secas.


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4 de set. de 2013

Busca



Tentou encontrar-se em todas artes; 
faltou a certa. 
Morreu amargurado.


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