25 de abr. de 2012

O Jornal

   O aroma convidativo de café e quitutes diversos é sentido por todos que passam pela frente do local. A cafeteria abrira a pouco tempo, trazendo novidades bem-vindas àquela região. No início, poucos aventureiros e curiosos, e claro, os viciados por café. Pelo lado de fora muitos passam, quase correndo, apenas espiando tudo pelas janelas.
   Aos poucos vão surgindo, um à um, os cativos consumidores. Casais apaixonados em busca de um local romântico, leitores assíduos atrás de um ambiente tranquilo para ler, escritores sempre à procura de inspiração; e claro, os viciados por café atrás de ...café! Mas algo faltava àquele lugar; até que em uma manhã qualquer, a porta se abriu...

   Em uma pequena mesa, próxima ao balcão senta-se um velho homem. Barba branca, camisa xadrez, suspensórios, e na cabeça uma boina. O velho apenas sinaliza para a atendente o pedido, de um 'espresso' e um pão-de-queijo, e pergunta onde está o jornal do dia. A jovem atendente aponta o grosso jornal, recém entregue, e ainda virgem de leitura. O velho pega para sí o jornal, com toda a calma que a idade lhe concede; desdobra-o com muito cuidado - como se lidasse com um sagrado documento -, e o abre, separando os diferentes 'cadernos' da edição. O café espresso chega, acompanhado de um pão-de-queijo recém saído do forno, quando o velho já está lendo a parte de Economia do jornal. As matérias vão sendo folheadas e lidas, sem nenhuma pressa, intercaladas com goles de café e pequenas mordidas no pão-de-queijo. O sol já paira alto no céu quando o último caderno é finalmente fechado e dobrado; o velho senhor organiza e encaixa todos cadernos, colocando-o de volta no local onde foi encontrado; paga o café e o pão-de-queijo com algumas moedas, despedindo-se da atendente.
   A porta abre-se e fecha-se várias e várias vezes; homens, mulheres, escritores, leitores; espressos, macchiatos, ristrettos, mochaccinos; pães-de-queijo, pães-de-batata, doces, salgados.
   Nova manhã, mesmo horário. A porta abre-se, entra um velho homem, senta-se em uma pequena mesa próxima ao balcão. Barba branca, camisa xadrez, suspensórios, e na cabeça uma boina. O velho apenas sinaliza o pedido, de um 'espresso' e um pão-de-queijo, para a atendente; pega no balcão o jornal recém entregue, e com toda calma que a idade lhe concede, desdobra o jornal com muito cuidado. O jornal é aberto, cadernos separados. O café espresso chega, acompanhado de um pão-de-queijo recém saído do forno, quando o velho já está lendo a parte de Cultura do jornal. As folhas vão passando, junto com o tempo. Quando acaba de ler, o jornal é devolvido, o velho homem paga o consumido com umas moedas, e se despede saindo pela porta.
   A rotina do café vai seguindo, entre cappuccinos e pães-de-batata. O sol passa pelo céu em sua trajetória diária, até o último cliente sair pela porta.
   Nova manhã, mesmo horário. A porta abre-se, entra um velho homem. Espresso. Pão-de-queijo. Jornal aberto, cadernos separados. Leitura, devolução. Moedas e despedida.
   Segue o dia; cafés de vários tipos. Segue a noite.
   Nova manhã, mesmo horário. Porta. Velho. Espresso. Pão-de-queijo. Jornal. Moedas. Despedida.
   E nesta rotina seguiram-se dias e dias. O Velho tornou-se cativo da cafeteria, junto com os casais, leitores e escritores - e os viciados em café. O Velho era quase um 'símbolo' daquele lugar; sempre na mesma hora, sempre no mesmo lugar. E a atendente ficava à cada dia mais curiosa sobre aquele homem quieto. Sempre com seu espresso, pão-de-queijo e jornal.
   Nova manhã, mesmo horário. Porta. Velho. Espresso e pão-de-queijo. Jornal....
   A atendente não segura mais sua curiosidade e, antes de receber as moedas, questiona ao Velho.
   "Com licença, senhor. Vejo-lhe sempre aqui na cafeteria... a muito tempo. Sempre no mesmo horário, tomando um espresso e lendo o jornal. Nunca lhe perguntei isto, mas: Por que o senhor segue sempre esta rotina? Gosta tanto do café e pão de queijo aqui da cafeteria?"
   O Velho tira a boina da cabeça e sorri. Após um instante, responde à atendente: "Sim, na realidade gosto muito do seu café e pão-de-queijo... mas, na realidade, o que me traz todos os dias até aqui é: 'o jornal'."
   A jovem faz uma cara de surpresa, sem compreender.
   "Sim... 'o jornal'. Todas as manhãs eu saía de casa e comprava este jornal, com algumas moedas, na banca da esquina. Lia-o na minha casa, sozinho, sempre no mesmo horário, tomando um café solúvel e comendo um pão-de-queijo comprado em uma padaria. Certo dia descobri que abriu esta cafeteria e... que vocês tinham um café ainda melhor, e um pão-de-queijo recém saído do forno... e ainda por cima, assinam o mesmo jornal que sempre li em todas as manhãs..."
   A atendente apenas ergueu uma sobrancelha.
  "E... com as mesmas moedas que eu gastava todos os dias comprando o jornal, eu pago o café e o pão-de-queijo aqui da cafeteria... e ainda posso ler o mesmo jornal, em um local bacana, com um belo aroma de café e outros quitutes, e pessoas no meu entorno!"
   A jovem sorriu, e depois não conteve uma doce risada. Recebeu as moedas, e despediu-se do velho homem dizendo: "Até amanhã...".

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