8 de fev. de 2012

Descobertas [1/2]

   Era noite; aquele calor com frio, característico da primavera. O pub estava cheio, como sempre. Claro que para este pub estar cheio, bastavam poucas pessoas. Pelas mesas grandes copos de cervejas artesanais; e o burburinho de várias conversas ao mesmo tempo. Em uma destas mesas, o grupo de sempre; amigos de longa data. Entre eles, os assuntos de sempre.
   Comentavam o carro novo de um, a formatura de outro, o ingresso no mestrado de um terceiro, o possível casamento de um quarto, e os velhos tempos de colégio de todos. Analisavam o desenvolvimento econômico, cultural e intelectual daquele grupo que em anos passados só jogavam bola e andavam de skate. "Quem diria que estaríamos hoje entre engenheiros, economistas, empresários e etc!", comentou um deles, "Uns já tiveram filhos, outros já plantaram árvores, agora só falta alguém escrever um livro...", completou, brincando com o ditado popular de 'uma vida completa' e 'plenamente realizada'.
   Todos riram alegremente; menos Alberto.
   - Bem, na realidade... eu já escrevi um livro. - disse.
   Silêncio na mesa. Todos se entreolham, com estranheza.
   - Como assim 'já escreveu um livro'? - questionou Ricardo.
   - Hã... escrevi palavras, impresso, capa... papel Offset 75g...
   Novo silêncio; quase constrangedor. Um clima de desconfiança no ar.


   - Mas...  - perguntou Fernando, com as sobrancelhas cerradas. - livro de que tipo?
   - Ah, Ficção... do estilo britânico, século dezenove. Sabem como é... - respondeu Alberto.
   Reagiram com cara de surpresa. Mas não sabiam; nenhum deles era um árduo leitor. O clima no ar era tenso; conheciam-se a anos, sabiam tudo de todos - pelo menos era o que pensavam.
   - E já publicou? Vendeu quantos? - perguntou alguém.
   - Ah, sim, pouca coisa... cerca de 7.200 exemplares.
   - Já vendeu mais de sete mil livros e nenhum para nós?! - disse um deles.
   - ...
   - E nunca pensou em contar pra nenhum de nós? - disse Ricardo, com uma risada nervosa.
   - Bem, ninguém nunca perguntou!
   - Ah tá... então se ninguém nunca perguntasse isso, nunca comentaria? - disse Saul, com tom de ironia.
   - Ora, nunca entraram no assunto... nem nada do gênero... vocês nem leem muito... - defendia-se Alberto. - E por acaso algum de vocês quer ler meu livro, afinal?
   Concordaram com a cabeça, mas notavelmente apenas por obrigação moral. A questão não era ler ou não ler o livro de Alberto, mas sim a questão de que ele guardara a espécie de um segredo de seus bons e velhos amigos. Era semi-inaceitável.
   - Bom, vejo que temos de lhe perguntar muitas coisas pelo jeito. - disse Fernando, tentando retomar o clima descontraído da mesa. - Então sei lá... você tem um cavalo?
   Com a negação de cabeça, todos riram.
   - Por acaso você é um milionário? - riu outro.
   - Definitivamente não... - respondeu Alberto, agora no clima.
   - Hã... você tem brevê de piloto? - alguém questionou com nenhuma seriedade.
   Negação; com um clima de 'ainda não'. Risadas.
   - Casa na praia?
   - Não... não.
   - Ator de teatro?
   - Também não.
   - Fala russo?
   Silêncio.
   - ... fiz um curso nas férias, a uns dois anos... e, ah, nada de mais. Não sou exatamente fluente. - respondeu Alberto.
   Olhares. Tom de indignação. Iniciaram as perguntas com ar mais sério:
  - Já voou pra lua? Já foi jogador profissional de rugby? Alguma tatuagem escondida? Participa de algum grupo secreto? Tem filhos com outra mulher?  Tem uma amante? Tem um guarda-chuva rosa? 
   - Não, não, não... não, não, não e... qual foi a última mesmo? Guarda-chuva... hã, não!
   Silêncio.
   - Diretor de cinema? Não?!
   - Não...
   - Político?
   - Só em outra vida.
   - Modelo?
   - Só pras fotos da minha mãe.
   Todos se esforçavam para tentar resgatar a descontração do poço em que ela caiu. Mais uma rodada de cerveja foi requisitada. Petiscos à acompanhar.
   - Professor? - perguntou Fernando.
   - Bonsaista? - perguntou Ricardo.
   - Não e não... - respondeu Alberto.
   - Gay? - perguntou Saul.
   - Sim. - respondeu Alberto.
   Silêncio...
   - ...?!
   - ...!
   Silêncio... sobrancelhas erguidas... troca de olhares.
   - Como assim? - algum deles questionou depois de um longo-longo tempo.
   - Bem... sim. Vocês nunca perguntaram.
   - Cara... você é gay? - perguntou Saul depois de mais alguns segundos de total silêncio naquela mesa.
   - Uow, não sabia que eu tinha que me apresentar, tipo: "Oi, meu nome é Alberto, sou homossexual!"
   - Tá... mas... cara, tu sempre foi junto no banheiro com nós, e... merda!
   - Ah, lamento, só existem dois tipos de banheiros...
   - Mas... mas... nós nunca notamos nada?
   - É o que parece. Mas, bem, nunca notaram que eu não era nenhum 'pegador' de mulheres?
   - Sim... mas, pegador nenhum de nós éramos, e...
   - Alberto... tu nunca nos avisou disso!
   - Ow... lamento se algum de vocês queria me apresentar a irmã ou prima. - riu.
   Riram... sem saber bem o que fazer ou perguntar. Na memória os amigos de Alberto reviam os momentos, constrangendo-se com diversos. Todos tinham a mente aberta, sem preconceitos, mas... era uma baita de uma surpresa para todos eles.

   O SINO SOOU 1X NO PUB. 
   Pediram a última rodada.

[...continua]
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